Chico Louco vira ator de televisão

Em 1996, ele participou de um documentário feito pela EPTV, afiliada da TV Globo em Ribeirão Preto, sobre o caipira. Ele foi levado pela produção até o Rio de Janeiro para ver o mar, que nunca tinha visto. Foi de avião, sapato apertado, com uma diarréia profunda no hotel que curou não sabe como. Dizia ser ator da Globo: “Sou da rede Globo, tá pensando que eu sou bobo”? E cobrava um cachê.

A aventura, para ele, “ficou por recordação” numa carteira velha que carrega no bolso com suas fotos junto ao mar. Até a sua morte ele sobrevivia com um salário mínimo “do governo” que ele dava para a mulher fazer comida e cuidar dele. A bebida e o cigarro, vinha de amigos, conhecidos, colegas.
Quando ficava revoltado, o que acontecia com frequência, Chico se parecia com João Batista clamando no deserto. Fazia sermões violentos para os frequentadores e donos de bar, vítimas de sua língua ferina, que não perdoava nada nem ninguém. Mas tinha o seu lado lírico, mostrado nas quadras que ele cantava para as namoradas de tempos passados:

  • Subi no coqueiro para ver o que eu avistava, avistei linda morena, três suspiro que eu dava. Ai morena, quem não pode não atêma ( teima).
  • Ai morena, perna fina corredera. Eu nunca vi passo de pena, morena, fazê rasto na ladeira.
  • Tomara que chova logo. Lá do lado de onde eu vim, prá chuva apagar meus rastos, prá ninguém lembrá de mim.


Chico Louco, Chico Luís, Francisco Luís Ferreira mergulhava em si mesmo, as mãos tremiam ao tomar a cerveja preta. Deixava um resto no copo, ajeitava a cinta feita com um pedaço de plástico e ia embora, tentar outro bar, outra conversa. Era mais um brasileiro de uma tarde sonolenta na pequena cidade que esperava a noite chegar com seus fantasmas, corujas de igreja, curiangos e morcegos atacando as frutas maduras dos quintais abandonados.
Ia falando sozinho a letra da música que estava compondo para o ano dois mil, que ele chamava de “doismileano”.

  • “Os amigo me dizia, que venho arrecordano, que as era já tá avançada, tá chegano o dois mileano.
  • O povo tá enganado, tem coisa que já évem aparecendo. Diz que se passá de doismileano esse mundo vai virá um engano.
  • Um fala que o mundo vai acabá em fogo, outro fala que vai acabá em água.
  • Deus vem na era de doismileano, diz que vai terminar em nada”

E ia procurar outro bar, outra Niger preta e amarga e algum ouvinte paciente para ouvir suas histórias. Ele dizia, ao se despedir - “ a vida passa por um engano, cuidado, que tá chegano o doismileano”... E não é que chegamos?

*Victor Cervi é jornalista e morador de Santa Rosa de Viterbo, testemunha viva de mais de dois mil anos de história.

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